O Jornal "O Estado de São Paulo apurou e publicou":
AS SUSPEITAS QUE EXPLICAM A SAÚDE DO MARANHÃO
Preços superfaturados e equipamentos sem uso na terra dos Sarney
Um copo de leite com biscoito a R$ 11, mais de 20 hospitais
novos sem uso, superfaturamento de até 85% em serviços de saúde, equipamentos
para exames de
última geração parados por falta de espaço adequado, suspeita de
uso de um helicóptero-ambulância na campanha da filha do secretário. Enquanto
isso a população amarga o pior índice de mortalidade infantil do País e doenças
do século passado como a hanseníase. Após quase 50 anos de domínio do clã
Sarney no Maranhão, a
“caixa preta” do Estado começa a ser aberta por auditorias encomendadas
pela atual gestão, que derrotou o grupo político da família do ex-presidente da
República.
Levantamento da
Secretaria de Transparência e Controle – criada pelo governador Flávio Dino (PC
do B) – nas contas da Saúde aponta sobre preço de 45% a 85% nos contratos
durante a gestão de Roseana Sarney (PMDB), que deixou o governo em dezembro.
Quem comandava a pasta
da área era seu cunhado Ricardo Murad.
Documentos obtidos pelo
Estado mostram o pagamento de R$10,95 por um copo de leite com biscoitos à
empresa Litucera Engenharia e Limpeza, que doou R$ 200 mil para a deputada estadual
Andrea Murad (PMDB), filha do ex secretário.
Segundo o relatório
parcial da auditoria, a Litucera era uma das 19 empresas contratadas sem
licitação que aparecem em todas prestações de contas do sistema, o que, de
acordo com os auditores, é indício de direcionamento das contratações.
Em Coroatá – cidade
governada pela esposa do ex secretário, Tereza Murad –, os auditores
encontraram equipamentos de oftalmologia na casa de amigos dos contratados. Lá,
a CM Clínica recebeu R$ 288 mil para atender a demanda de cardiologia de modo
ininterrupto, sete dias por semana, mas a empresa esteve presente no hospital
somente dois sábados de janeiro, por apenas três horas cada dia.
No Hospital Carlos
Macieira da capital, o simples fato de o governo passar a contar as refeições
servidas também pela Litucera – antes o repasse era por preço fechado, independentemente
do volume – levou a uma economia de 10 mil pratos ao mês. Ali também se pagava
R$ 10 por refeição, independente do conteúdo do prato que, às vezes, era apenas
uma fruta, um chá com biscoitos ou um copo de suco.
As auditorias recomendam
o ressarcimento de pagamentos indevidos, responsabilização dos gestores
responsáveis e encaminhamento dos relatórios ao Tribunal de Contas do Estado, Ministério
Público de Controladoria Geral da União para tomada das medidas cabíveis.
Primeiro Cunhado.
Considerado o homem forte da segunda passagem de Roseana pelo governo do
Maranhão, entre 2009 e 2014, Murad é alvo da Justiça desde 2005, quando era
gerente de Desenvolvimento de São Luís e foi acusado de formação de
quadrilha e fraude em
licitação na contratação de uma empresa de segurança e limpeza.
Na semana passada, a ex procuradora
geralde Justiça Maria de Fátima Cordeiro se tornou ré em ação de improbidade
por ter recomendado a exclusão de Murad, seu “aliado e amigo pessoal”, segundo
o Ministério Público, do processo.
Embora tivesse um amplo
gabinete na sede da secretaria, Murad costumava despachar no sofisticado hotel
Luzeiros, o mesmo onde o doleiro Alberto Youssef foi preso pela Lava Jato, em
março do ano passado.
Um episódio rumoroso
envolveu Murad e sua filha, a deputada Andrea Murad, na campanha de 2014. No
dia 17 de setembro, ela fez um comício na cidade de São João dos Patos. No
mesmo dia, segundo registros da Secretaria de Saúde, o pai usou um
helicóptero locado pelo governo para transporte de pacientes em um
pacote de R$ 15 milhões por ano para ir até a cidade. No dia seguinte, o
helicóptero sofreu uma pane e fez um pouso de emergência numa fazenda em
Presidente Dutra. Os órgãos de
imprensa da família
Sarney noticiaram que Andrea estava com o pai na aeronave. Ela nega
enfaticamente a acusação, que virou motivo de debates na Assembleia
Legislativa. Segundo registros, das 40 viagens feitas em setembro de 2014, 17
foram no trajeto São Luís Coroatá, base política dos Murad.
Ao assumir em 2009,
Roseana anunciou um ambicioso projeto de construção com verbas do Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de 72 hospitais de
pequeno, médio e grande portes.
Do total, 42 foram
entregues a toque de caixa. Pelo menos cinco deles foram devolvidos pelas
prefeituras e estão abandonados por falta de verbas para manutenção, já que o
Sistema Único de Saúde (SUS) não financia o custeio. Outros 17, alguns com obra
em fase adiantada, também estão parados.
Em janeiro o BNDES
suspendeu os repasses para 27 obras de saúde no Maranhão. Nenhuma delas tinha
aprovação da vigilância sanitária, entre outras irregularidades. Destas, 15
foram iniciadas entre abril e setembro de 2014, quando a disputa eleitoral
já estava em curso.
Algumas estão em fase final de execução, com mais de 80% dos serviços
realizados. Ao todo, foram pagos até agora R$ 110 milhões nessas 27 obras.
“Vamos readequar o perfil de atendimento desses hospitais de acordo com as
orientações do SUS.
Não sei explicar o
motivo dessa opção. Pode ser incompetência técnica ou motivação política”, diz
o atual secretário de Saúde, Marcos Pacheco.
Símbolo. A Secretaria de
Transparência e Controle realizou uma auditoria específica no Hospital Carlos
Macieira, o maior e mais importante do Maranhão, que leva o nome do pai de dona
Marly – mulher de Sarney – e passou por uma série de reformas desde
2009 orçadas
inicialmente em R$ 38 milhões, mas que até hoje, quatro contratos e muitas
irregularidades depois, já consumiram R$ 158 milhões.
Com 174 leitos comuns e
48 de UTI, o hospital representou um avanço extraordinário no atendimento
médico do Maranhão, mas apresenta falhas graves de projeto e construção.
Equipamentos caros, como
um aparelho de hemodinâmica da marca Siemens, valiado em R$ 2 milhões, estão
parados em um almoxarifado.
O governo pagou R$ 180
mil pela instalação de cada um dos cinco elevadores, mas há mais de três anos
apenas um funciona no prédio de cinco andares. A rede elétrica precária, com
frequentes oscilações, coloca em risco aparelhos caríssimos.
Outro problema grave diz
respeito ao encanamento. Malfeito, provoca inundações a cada chuva. A estação
de tratamento de lixo hospitalar de última geração nunca funcionou. O lixo e
esgoto são despejados em um manguezal. Há três anos, funcionários sem qualificação
tentam consertar o sistema de esterilização ultravioleta e acabaram na ala
oftalmológica com danos na vista.
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